O meu tempo era escasso para tantos afazeres. Precisava que o meu dia tivesse 48h. E não sei se chegariam. Estava esgotada, mas não o queria demonstrar. Ainda iria preocupar mais quem já tem tantas preocupações. Sem me aperceber, fui cercada pela agitação e pelo cansaço.
O meu emprego sempre exigiu muito do meu tempo e quando chegava a casa a minha família precisava de mim. Tudo o que podia dar aos meus filhos era a minha presença ausente. Estava demasiado cansada para brincadeiras e novas aventuras. A minha mãe ligava-me todos os dias para desabafar sobre o dia dela e a minha irmã precisava constantemente da minha ajuda. A mãe do meu marido estava doente e dependia dos meus cuidados e a minha melhor amiga atravessava um divórcio. Tinha tempo para tudo e para todos, menos para mim.
Num dia destes, uma senhora de cabelos brancos e de uma profunda sabedoria perguntou-me qual era o sentido da vida. Aquela pergunta fez-me estremecer. Um enorme vazio surgiu dentro de mim. Ele já lá estava, eu só não o via. Já não sabia o que era viver. Aonde é que me perdi? Tinha-me esquecido de sentir aquelas agradáveis dores de barriga de tanto rir ou de como era simplesmente estar deitada a apreciar as estrelas. Brincar com os meus filhos era um esforço e conversar com o meu marido parecia doloroso. O que tinha feito à minha vida? Não tinha tempo para pintar, escrever ou dançar. Já não me recordava de caminhar descalça à beira-mar ou de perder a noção das horas. Não havia lembranças de uma boa noite de amor ou de uma tarde só para mim. Eu respirava, mas já não estava viva.
Tinha transformado a minha vida num monte de obrigações. Tinha obrigações para com a minha mãe, irmã, amigas, marido e filhos. Só me libertei quando deixei cair as obrigações. Percebi que a única obrigação que posso ter para com alguém é para comigo mesma. Obrigações? Só de mim para mim.
Quando percebi que me tinha perdido, perdi o medo de perder o outro. E foi este medo que me impediu de ser livre. Livre para dizer não, livre para me escolher, livre para governar a minha própria vida. Não me importava que o outro não gostasse das minhas decisões, importava-me em permanecer numa história de amor para comigo. Aqueles que realmente me amavam, continuam na minha vida e respeitam as minhas decisões.
Descobri que quanto mais me amo mais amo o outro. Compreendi que o amor não é sobre fazer o que outro quer, mas sobre dar aquilo que posso. Nem mais nem menos.
Dizem que é preciso deixar cair muita coisa para nos podermos erguer novamente. Eu acredito que só ao deixar cair o que nos deixava de rastos é que podemos verdadeiramente ajudar os outros a erguerem-se. É impossível levantar alguém a partir do chão. Os nossos pés e pernas precisam de estar bem firmes e seguros. Só aqueles que se ajudam é que podem realmente ajudar.